O Gato e o Rato

O Gato e o Rato

Dos animais que povoavam a floresta, quatro deles costumavam abrigar-se nos ocos do tronco meio apodrecido de uma velha árvore. Um deles era um gato do mato, ardiloso, ágil e traiçoeiro; outro, um ratinho de dentes afiados e apetite insaciável; o terceiro, uma doninha de corpo esguio e alongado; e finalmente, uma solitária coruja de olhos tristes.

Certa noite um caçador valeu-se da escuridão para enrolar uma rede de malha forte em torno do tronco esburacado, esperando, assim, capturar algum bicho que porventura ali se abrigasse. Por isso, quando os primeiros sinais da manhã surgiram no céu o gato tentou sair do seu esconderijo, mas não conseguiu fazê-lo porque a rede o impediu. Ele bem que forçou passagem, uma, duas, várias vezes, mas sem resultado, e por fim, sentindo-se derrotado, começou a miar desconsolado, o que atraiu a atenção do rato. Este, ao perceber o que se passava vibrou de alegria, e tão contente ficou que se aproximou para apreciar mais de perto o infortúnio do seu inimigo. Ao vê-lo chegar, disse-lhe o felino aprisionado:

- Meu amiguinho, tua presença me deixa feliz porque sei que teu coração bondoso certamente fará com que me libertes dessa armadilha em que tolamente caí. Do mesmo modo como por diversas vezes poupei a tua vida, o que agradeço aos deuses por terem me inspirado a fazer, sei que agora me pagarás de modo semelhante, roendo essas cordas e me devolvendo a liberdade.

- E o que ganharei com isso? - perguntou-lhe o rato.

- O meu reconhecimento - retrucou o gato. - Por isso firmaremos uma aliança duradoura que não só te poupará das minhas garras, como também me fará não dar tréguas à doninha e à coruja que aqui também se escondem, pois tanto um como a outra não hesitariam em transformar-te em refeição.

- O que pensas que sou? Um otário? - replicou o pequeno roedor. E subiu pelo tronco carcomido. Mas logo deu de frente com a doninha ainda adormecida, o que foi a sua salvação. Assustado, o ratinho afastou-se dali rapidamente, porém percebeu a tempo que caminhava em direção à coruja solitária, cujos olhos tristes o encaravam com más intenções. Então ele retornou depressa ao refúgio do gato e pôs-se a roer os nós da rede que o prendiam, um após outro, até que o felino conseguiu safar-se. Nesse instante os dois perceberam que o caçador se aproximava da velha árvore, e por isso trataram de fugir imediatamente, mas em direções opostas.

Dias depois, ao caminhar pela floresta o gato percebeu que o ratinho o vigiava de longe. Esperto como era, ele convidou:

- Venha cá, amigo querido, venha cá para que eu possa abraçar-te com o carinho e respeito que mereces, pois ainda não tirei da memória o teu gesto magnânimo. Abaixo de Deus, é a ti que devo a minha vida, e por isso me sinto ofendido quando percebo que me tratas como inimigo mortal. Vinde a mim, prezado irmão!...

E o rato, mantendo distância conveniente:

- Por acaso acreditas que eu possa esquecer-me do teu instinto de predador e da tua feroz propensão? Por acaso imaginas que eu admita ser possível um gato demonstrar gratidão em virtude de um tratado verbal feito em momento de aflição?

E dizendo isso mergulhou no buraco aberto ao pé de uma árvore e o gato do mato não o encontrou, apesar de procurá-lo por algum tempo.

Moral da Estória: Nunca confie em quem tem fama de falso e mentiroso.  

Baseado em uma Fábula de La Fontaine - Fernando Kitzinger Dannemann

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