A Rede de Pesca...

A REDE DE PESCA

Como de costume, a rede de pesca, ao ser retirada da água pelos pescadores, chegou ao barco cheia de peixes. Centenas deles, de todas as espécies e tamanhos, foram recolhidos e amontoados em grandes cestas, a maioria arfando desesperada em busca do ar que lhes faltava, uns agitando rabos e barbatanas talvez para mostrar o inconformismo de quem sabe que se vai antes da hora, enquanto outros, mais renitentes, reuniam as forças derradeiras e arriscavam pequenos saltos, na vã esperança de, num deles, reencontrar a vida cujo brilho aos poucos ia se apagando em seus olhos.

Mais adiante, no fundo do rio, os sobreviventes do cardume apanhado sem defesa se reuniram e passaram a discutir o perigo que enfrentavam. Disse um deles:

- Nosso problema é de vida ou morte. Todos os dias os pescadores lançam sua rede em pontos diferentes do rio, e de cada vez muitos companheiros nossos são apanhados por ela e levados embora, para alimentar os humanos. A continuar desse jeito, em pouco tempo não sobrará nenhum de nós para contar a história. Precisamos pensar em alguma coisa para acabar com esse flagelo.

- E o que poderemos fazer? - indagou uma traíra que morava nas pedras do lugar, e cujo marido e filhos tinham sido levados na última redada.

- Destruir a rede! – foi a resposta unânime e imediata dos que participavam da assembléia.

A novidade correu o rio como um relâmpago, e em pouco tempo, da nascente à foz, todos os que nele moravam tomaram conhecimento do que precisava ser feito. No dia seguinte, numa enseada suficientemente espaçosa para receber os milhares de peixes que para ali acorreram, um experiente dourado que por duas vezes conseguira escapar da morte certa porque rompera as malhas da rede com os dentes, foi escolhido comandante da revolta. E ele então detalhou o seu plano:

- Os piaus ficarão de vigia, para descobrir em que lugar os pescadores nos atacarão. Assim que soubermos, entraremos em ação. A rede é grande, vai de um lado a outro do rio, e tem chumbos presos embaixo, para que afunde. Por isso, vamos nos dividir em dois grupos: um suspenderá os pesos, levando-os à superfície, e outro segurará as malhas por cima, sem soltá-las. Ao mesmo tempo, as piranhas cortarão com os dentes a corda que mantêm a rede esticada entre as margens. Feito isso, deixaremos que ela afunde e se perca para sempre.

Não passou muito tempo e a esperada notícia chegou: o apetrecho dos pescadores havia sido armado não muito distante, pouco menos de meio quilometro rio acima. A informação provocou um alvoroço generalizado, mas antes que os peixes partissem como um exército gigantesco em busca de seu objetivo, o dourado tratou de aconselhá-los:

- Tenham cuidado com a correnteza, porque caso alguém se distraia, poderá ser arrastado por ela para dentro da rede. Sigam sem pressa, usem bem as nadadeiras, e principalmente, que cada um cumpra a sua missão.

E foi assim que os peixes partiram para o ataque. Mas quando avistaram a rede esticada à sua frente, pronta para cumprir sua missão sinistra, todos foram dominados por uma fúria incontrolável. Por isso, mesmo depois de terem cumprido as determinações do dourado, não largaram mais a inimiga, continuando a atacá-la com a única arma de que dispunham: os dentes. E por isso morderam-na e cortaram-na tanto quanto puderam, uma, duas, três e mais vezes, até transformá-la em um monte de restos que as águas levavam para longe, bem longe, não deixando ali nenhum sinal de seu paradeiro.

Finalmente o rio estava livre do perigo que o ameaçava.


Moral da Estória: O povo que precisa de um salvador não merece ser salvo.

Baseado em uma Fábula de Leonardo da Vinci - Fernando Kitzinger Dannemann

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